terça-feira, 23 de agosto de 2016

A pedofilia

   Quando eu ainda estava na faculdade de artes, presenciei um envaironment que jamais esquecerei. Para quem não sabe, existem duas maneiras de apresentar uma atuação artística: A PERFORMANCE, onde o artista tem total ou quase total controle de suas ações em relação ao público ou à condução da mesma, ou o ENVAIRONMENT, quando o artista propõe ações cujo desfecho é imprevisível. Pois bem, na referida apresentação, um dos estudantes montou um cenário lúgubre, com uma música igualmente macabra, onde se via na parede uma tela ricamente emoldurada, tendo gravada uma frase em latim (aludindo à qualquer coisa a respeito da pedofilia), uma mesinha de canto e um aquário com um lindo peixe beta. O referido artista entra em cena, pega um grampeador rocama, e tirando o peixinho do aquário, o grampeia pela cauda na tela, para a perplexidade geral do público ali presente. O sujeito então simplesmente sai de cena, provavelmente indo mesmo embora, deixando o peixe agônico se debatendo na tela. Tal cena causou um desconforto poucas vezes visto, uma sensação generalizada de sufocamento, protestos, lágrimas, e mesmo eu, que gosto de pescar, fiquei revoltado com  a crueldade explícita da "obra", preparando-me para juntar à turba que já se debandava, igualmente revoltada, do recinto. "A coisa estava tão evidente, tão óbvia, mas como somos condicionados a NÃO tocar em arte, não percebemos"! Após tormentosos instantes de inércia geral, um rapaz da platéia,  que nem sequer era estudante da escola(  e talvez por isso mesmo), sacou com determinação sua chave da moto, arrancando o peixe da tela, devolvendo-o ao aquário. Tal atitude foi amplamente ovacionada, seguida de uma sensação de alívio, e só então caiu-nos o véu da insensatez: porque eu, ou qualquer um dos que se sentiam desconfortáveis, não tomamos tal iniciativa? Porque esperar que outro fizesse justiça, estando esta igualmente em nossas mãos? Então, contemplando a frase em latim que nunca consegui traduzir, mas cuja palavra PEDOPHILIA deixava bem claro a intenção, foi que compreendi todo o alcance deste trabalho: todos vêem, se incomodam, mas ninguém faz nada!
   Assim o é na vizinhança, na comunidade. Ás vezes, na própria família! Um assunto tão perturbador, que muitas vezes optamos em turvar as vistas com nossa letargia, convencendo-nos de que o evidente é apenas uma mera impressão...

Ilustração- A SOMBRA- acrílico sobre cartão, por Wederson

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Um caso com gatos

   Há alguns anos ganhei uma gatinha ainda filhote. Como moro sozinho, o presente teve o pretexto de aplacar minha solidão, e assim, sob alguns protestos, tive que declinar em aceitá-lo. A gata cresceu e, numa escapulida de uma noite, arranjou mais três filhotes. Minha vida virou uma confusão divertida! Fato é que, os gatos, com seu temperamento autossuficiente e aparentemente arrogante, são muito sedutores. Tanto que, sem dar-me conta, comecei a pintá-los em inúmeras ilustrações, denunciando, provavelmente, este estado de espírito das pessoas apaixonadamente cativas...

 Gata hippie- acrílico sobre tela, por Wederson

 Gata baiana- acrílico sobre tela, por Wederson

 A daminha- acrílico sobre tela, por Wederson

Gato punk- acrílico sobre tela, por Wederson

Gato pirata- acrílico sobre tela, por Wederson


"Tubias"- acrílico sobre tela, por Wederson

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Sobre minha gente( e a arte despretensiosa)...

   O estado de Minas Gerias foi lapidado por um interessante processo histórico, alicerçado em  ouro e jóias preciosas, cobiça, conflitos, suor e sangue, histórias e estórias, fé, esperanças e temores, lendas e crendices, sagrado e profano, e por toda ordem de bagagem multicultural trazida e acumulada em seu processo de ocupação.
  Enquanto artista mineiro, sinto-me encantado com a simplicidade do povo que, resultando desta mixórdia de elementos,  confere hoje à cultura de Minas Gerais, no meu ponto de vista, sua maior riqueza. Por isso, seduzido por esta raiz inextirpável, atrevo-me navegar ás vezes por temas tão simplórios, deixando através de minha linguagem artística um rastro que, não sendo muitas vezes conceitualmente inventivo , faz lembrar o perfil de minha gente.

Pintura O SEGREDO- Acrílico sobre tela
1,70x1,00cm, por Wederson

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A bailarina

  A rodovia MG-5, sentido Sabará, apresenta, próximo a ponte do Rio das Velhas, antigas pedreiras desativadas. Morei num bairro ali perto durante quase toda a infância e juventude, e várias vezes fiz este percurso a pé, que de minha antiga residência ao centro histórico de Sabará, tem exatos 13km. Quando criança, ouvíamos de minha casa a detonação das dinamites nas pedreiras, que deixaram hoje alguns paredões nus. Pintei uma bailarina num paredão, numa das reentrâncias da pedreira que ladeia a rodovia, conferindo ao conjunto uma leveza inusitada à crueza maciça das rochas ofendidas pela mineração. O trabalho, confeccionado a partir de um minúsculo patamar, cujo acesso se fez escalando, e a alguns metros do chão, acabou sendo de difícil execução, resultando mesmo distorcido, mas finalizou com a leveza que eu queria imprimir.




A BAILARINA- pintura em acrílico sobre pedreira, por Wederson

domingo, 7 de agosto de 2016

Gangorras( projeto CLÃDESTINO)

   O projeto CLÃDESTINO contemplou hoje o mítico viaduto de Santa Tereza, em Belo Horizonte. Reduto este que tem sido palco de várias manifestações culturais da cidade, e que muitas vezes foi esquecido e revitalizado, serviu desta vez de suporte para as gangorras de um casal de crianças feitas em papel colê, causando admiração e espanto dos transeuntes ali presentes. Mesmo a polícia, que compareceu no local para saber do que se tratava, teve uma postura admiravelmente diligente e gentil, como o deve ser. A obra remonta a um tempo quando, numa cidade ainda tranquila, podíamos brincar livremente onde quer que julgássemos adequado. Embora fosse evidente a estranheza causada pela intervenção tão aparentemente incabível, vejo que estranho mesmo deveria ser viver numa cidade onde os balanços, brincadeiras de rua, e aquela atmosfera do terno universo infantil foram perdendo, pouco a pouco, espaço para uma realidade tão destituída de fantasia.

Trabalhando nas esculturas, em meu estúdio


A polícia, em abordagem de rotina, trabalhou com inacreditável zelo...




Obra- AS GANGORRAS- Escultura em papel, por Wederson
fotos- Amanda Carabina

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A leitora

   Ao fazer um projeto de intervenção artística pública, cabe ao artista muitas vezes observar o melhor contexto a ser utilizado. Pode-se neste caso elaborar algo que tenha, pela localização, uma grande visibilidade, ou algo que aluda diretamente ao próprio espaço, considerando-se fatores pertinentes a significação do mesmo, ou  ainda apropriar-se de elementos concretos que este espaço ofereça, criando-se assim uma correlação geográfica entre obra e locação. 
  É comum a qualquer um de nós enxergar figuras em determinados locais, pois seu aspecto e elementos nos impele a fantasiar ali formas e ações que se encaixam em formas preexistentes. Asim se cumpre, estimulados por uma sensação ou reflexo quase obsessivos, concretizar plasticamente a imagem que, antes inexistente, salta-nos persistente às vistas da imaginação.  


A LEITORA- pintura em acrílico sobre muro, por Wederson