sábado, 11 de agosto de 2018

A comunidade do Pasmadinho sob o olhar das crianças

No decorrer deste projeto aqui no Vale do Jequitinhonha, a pintura das casas acaba gerando outros desdobramentos. Tenho falado aqui, com certa ênfase, da participação das crianças na elaboração e confecção das pinturas, e como isso as tem motivado. É muito importante, no trato com as crianças, atribuir-lhes papéis de protagonismo e confiança, visto que muitas vezes subestimamos sua capacidade criativa ou de organização, conferindo-lhes responsabilidades muito simplórias. As crianças não são bobas, e não adianta delegar-lhes atividades aleatórias, no propósito de ocupar-lhes com meras distrações! Elas gostam de ver-se em posição de importância_ de colocar a estrela da árvore de natal! Ter uma participação significativa, em qualquer acontecimento, é uma forma de afirmar-se ao mundo, e reconhecer-se como ser humano ativo na dinâmica da sociedade. Para tanto, é preciso que nós adultos tenhamos apenas paciência, no que se refere a respeitar seus processos e atender-lhes as constantes dúvidas.
Uma vez que ando por aqui, no Pasmadinho, sempre munido de uma câmera fotográfica profissional, equipamento quase desconhecido na área, já que as câmeras foram substituídas por celulares, tal situação excitou certa curiosidade. Comecei então a apresentar-lhes a máquina, mostrando seu funcionamento, e deixando que elas fizessem algumas fotos. Isso gerou grande entusiasmo e euforia, e dia após dia, elas foram se aperfeiçoando na utilização da mesma, bem como nos temas e enquadramentos escolhidos. Crianças entre 4 e 12 anos começaram então a circular pela vila, fazendo livremente fotos de motivos que, por alguma razão, chama-lhes atenção. Da mesma forma, têm feito fotos umas das outras, ou de si mesmas, tudo com muito zelo e cuidado. Os adultos ficam perplexos com o fato de eu deixar nas mãos da meninada um equipamento visivelmente caro e sensível, mas como eu disse, não podemos subestimar-lhes! Tendo satisfeita a curiosidade inicial, cujo veto leva-lhes muitas vezes "destruir" ilicitamente as coisas, elas agem com a maior cautela, porque foi-lhes depositada confiança e autonomia. Neste contexto, orientei-lhes sair pela vila, sem minha presença, fotografando qualquer coisa que quisessem. O resultado foi surpreendente e até mesmo comovente, e aqui apresento algumas das imagens resultadas desta interessante experiência























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domingo, 5 de agosto de 2018

O envolvimento dos moradores do Pasmadinho na pintura de suas casas

Quando cheguei à comunidade do Pasmadinho, acompanhado por amigos contactados previamente em Itinga, e tendo explicado para algumas pessoas do povoado a proposta artística, tal investida foi vista com grande estranheza! Surgiu um clima de desconfiança e incompreensão, cuja desconstrução ainda está em curso. Na verdade, em outras experiências comunitárias, eu já havia percebido que a maioria das pessoas têm imensa dificuldade em crer que algo possa ser oferecido de forma absolutamente gratuita. A natureza humana está afetada pela constatação de que tudo neste mundo tem seu preço, e se algo não o tem, é porque sua intenção ou qualidade é no mínimo dúbia! Tenta-se, neste contexto, encontrar as "cláusulas" obscurecidas, e cuja consequência surge em algum momento. Bem, eu não tive outro discurso senão o de que, executar tal projeto visa tão somente levar arte e cultura a esses rincões muitas vezes esquecidos ou desprezados pelas administrações públicas e políticas, retórica que não convenceu muito. Só após algumas semanas, e tendo as pessoas observado que meu expediente sacrificante não poderia ter outra razão que não uma simples vontade, é que uma credibilidade mais afável tem surgido.
Se os adultos seguem com suas fantasias e precauções, as crianças se jogaram com todo o ardor infantil na proposta! Têm sido elas, seguidas eventualmente por alguns jovens ou adultos, minhas maiores colaboradoras e admiradoras. Para elas ainda não existe este universo de permutas e interesses, e por isso elas têm fruído o projeto em sua essência mais autêntica e pura. Ao chegar no povoado todas as manhãs, elas surgem de todos os lados, dispostas a colaborar da forma que possível.Seja auxiliando-me no transporte de material, preparo das tintas e na concepção das pinturas, estão sempre ao meu redor, com suas brincadeiras, dúvidas, demandas e ternura. Eu acerto com cada morador qual motivo iremos pintar em sua parede, levando em conta as condições da mesma, já que o material ou acabamento da casa interfere fundamentalmente no trabalho a ser executado, e após esboçar no suporte a estampa, distribuo material e orientações para que as crianças pintem livremente. Depois faço as devidas correções e acabamentos. As crianças então se orgulham em mostrar umas às outras o que pintaram, numa interessante sensação de pertença e capacidade.
Na medida que as pinturas foram se espalhando pela vila, os moradores começaram ter uma visão mais clara de sua dimensão, e consequentemente começaram a solicitar projetos mais complexos e conceituais para suas casas. Ou seja, a disseminação dos trabalhos tem tornado mais amplas e livres as ideias das pessoas, bem como seu modo de ver o mundo ou seu próprio habitat, e isso por si sintetiza o melhor de minha pretensão. Seguirei fazendo aqui eventuais atualizações acerca deste trabalho...

Segue uma linda galeria de imagens das crianças do Pasmadinho no auxílio da tarefa