quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O que aprendemos com Brumadinho





Após alguns meses do incidente em Brumadinho, cujas consequências são ainda imensuráveis, criei coragem para ir até lá. Na verdade, fui na área atingida buscar um pouco da lama para fazer uma pintura. Na ocasião do rompimento da barragem, cogitei qualquer forma de fazer algo efetivamente útil, mas confesso que meu estarrecimento me deixou inerte, e a dimensão do problema constrangeu minha própria capacidade de pensar em alguma assistência, o que foi uma grande ignorância: eu poderia ter levado um abraço de amparo àquelas pessoas, uma garrafa de água, ou qualquer coisa que, sendo simples em sua providência, faz, em momentos, assim toda a diferença.
Acabei por acompanhar de longe a comovente ação das pessoas que integraram a grande corrente de solidariedade e trabalho, dispondo-se, como puderam, para amainar o sofrimento das vítimas, seus familiares, bem como dos animais atingidos. O corpo de bombeiros ainda hoje está lá, numa incessante busca dos desaparecidos, afim de dar uma resolução digna junto às famílias cujo ente querido não voltou. Por isso resolvi fazer uma pintura com a terra, aquela mesma terra que devastou tantas vidas e sonhos, para tentar presentear a corporação dos bombeiros, em nome de tantos quantos tenham, de alguma forma, estendido sua mão, e a colocado a serviço. Tal pretensão não foi fácil! Tendo coletado o material no local, o que por si só já foi demasiadamente angustiante, trabalhar nesta contextualidade, e com este conceito, deixou-me extremamente triste. Eu encontrei no degradado corredor de rejeitos, e onde antes fora um córrego,  três cores de minério diferentes, que resultaram em pigmentos até bonitos, mas saber a realidade por trás disso foi realmente lamentável! A cada pincelada, ocorria-me todo o sofrimento de quem foi atingido na carne, na alma,  ou naquilo que possui de mais precioso.




A cidade de Brumadinho vai se erguendo aos poucos. As pessoas estão apenas tentando seguir com suas vidas, trazendo na face o esforço de um sorriso a tanto afogado em pranto, na busca de readquirir algo que, não sendo jamais o mesmo, possa ao menos ser suficiente. E neste contexto, talvez voltar a ter orgulho! Mesmo o rio Paraopeba corre triste, enlameado, mas com a persistência de uma vida e esperança latentes em suas águas irriquietas.  Que nunca nos esqueçamos, portanto, de como a ambição inconsequente e voraz é destruidora! Seus propósitos não contabilizam vidas, e não visam o progresso comum, senão seus próprios interesses. Mas não nos esqueçamos, acima de tudo, as lições de humanidade que Brumadinho nos legou. Em meio a tanta dor, desespero e tristeza, eclode o que temos de bom, fazendo-nos lembrar que também somos isso...