quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Pintura na vila

Executei nos últimos dias uma grande pintura na fachada de algumas casinhas em meu bairro. Tendo escolhido o local, um quarteirão onde as residências não tinham acabamento, entrei em contato com os moradores afim de conseguir, junto aos mesmos, autorização para fazer o trabalho. Obviamente, todos acataram a ideia com entusiasmo! 
Elaborei um projeto simples para apreciação da comunidade, consistindo numa pintura que, embora contínua, pudesse também ser vista em blocos, conforme as divisórias das casas, mantendo assim uma certa singularidade das mesmas. Optei por criar uma composição colorida, infantil, de forma que as paredes de tijolos esburacados ou chapiscadas adquirissem uma atmosfera mais alegre e vibrante. Durante a feitura do trabalho, vi o quanto tal pretensão atingiu seu objetivo! A rua, outrora cinzenta e sem encanto, começou a ganhar vida. As pessoas, moradores ou transeuntes, mostraram-se mais animados e contentes; Logo, na medida em que eu ia confeccionando a pintura, cada morador procurou, a seu modo, fazer alguma melhoria em seu próprio muro, seja pintando os portões, limpando a calçada ou pintando de branco os postes da rua. A cada dia, eu sempre tinha uma numerosa plateia de crianças, jovens, adultos e velhos, que discutiam entre si a evolução do trabalho, seu significado ou mesmo a melhor maneira de preservá-lo de futuros danos. 
A pintura em si não tem nada de surpreendente ou espetacular. Pintar, utilizando-se de pincel, num suporte tão grosseiro, é mesmo uma tarefa das mais estafantes e complexas! A obra resultou, neste contexto, bem simplória e rústica! No entanto, o impacto que este trabalho causou em seu meio transcende a questão da qualidade técnica ou visual. Aquele contexto cujas entrelinhas só quem comunga com a situação pode perceber. É incrível como algo tão singelo pode afetar, de uma forma tão cativante, o coração das pessoas, estimulando-lhes uma vibração mais afetuosa! A arte, neste caso, é apenas uma via de acesso à essência humana, muitas vezes velada pelas agruras do mundo. Esta sim é bela, quando irradiada em sorrisos, esperanças e brilho no olhar. E somente isso pode justificar a recorrente questão das pessoas ao verem-me, sol a sol, fazendo algo assim: _O que você ganha com isso?..


    antes
 

   depois









domingo, 14 de janeiro de 2018

A arte é para quem?

Quando ainda estudante de artes na Universidade Estadual de MG, no ano de 2004, fiz um interessante estágio no CAPS( centro de atenção psicossocial) da cidade de Lagoa Santa, próxima a Belo Horizonte. Tal experiência marcou minha entrada no universo dos serviços de saúde mental, onde dediquei mais de dez anos como instrutor de artes e música. Certamente, influenciado por tudo quanto aprendi nesta trajetória exaustiva e gratificante, e sobretudo no que se refere à autenticidade, pude enfim decidir trilhar o caminho das artes. 
Tenho visto que tal decisão é mesmo corajosa! Desde então posso observar, não sem certo amargo conhecimento de causa, toda a manipulação mercadológica que se faz acerca da arte, num movimento que seleciona e filtra, visando certos propósitos, o que se considera arte ou não. Para tanto, são atribuídos valores e conceitos que justificam, por complexas retóricas, ao que se elege como arte, afim de que esta seja uma joia rara e preciosa acessível apenas a poucos. Uma vez que objetos de arte tenham se tornado um dos maiores e mais cobiçados investimentos financeiros do planeta, o conceito da arte fica comprometido ou turva-se diante de interesses que extrapolam seus fatores intrínsecos. A própria ação do artista, muitas vezes regida pelos ditames deste mercado, torna-se inconsistente e perde sua subjetividade. Obviamente, mesmo os artistas, em sua conduta revolucionária,  sentem-se tentados pelas boas promessas da fama. Porque, em sua maioria, estes possuem arraigada uma vaidade tão saudável quanto caprichosa. 
Bem... eu ainda não entrei neste circuito, reservado a tão poucos, e confesso que a despeito de todas as benesses, sinto-me indisposto a tal. Acredito mesmo que tal sistema não me acatará, visto eu não possuir a sofisticação conceitual que ele exige. Mas pode ser que algum dia eu volte aqui neste blog para falar acerca da fama, tendo-a alcançado, assim podendo discorrer com propriedade acerca do outro lado da moeda. E corroborando o fato de que muitos artistas deixam-se seduzir! Mas sigo, no momento, fazendo aquilo que, penso ser arte, pretensão bem questionável na concepção da crítica atual, e o faço com o maior despojamento. Por isso tenho dedicado parte do meu tempo, e um grande  esforço e investimento financeiro pessoal em trabalhos públicos, afim de levar tais concepções às pessoas ditas comuns. Penso assim estar, de certa forma, cumprindo algum papel relevante no que se refere a um impacto social, o que tem sido confirmado a partir do retorno das próprias pessoas. Isso traz uma imensa satisfação, e mesmo que não supra minhas necessidades de ordem de auto-manutenção, faz com que minha vida, e tudo quanto tenha eu tenha aprendido, tenha algum propósito vital.
Após treze anos, resolvi fazer alguma obra pública em Lagoa Santa, onde acabei criando fortes vínculos. Encontrei, na beira da mítica lagoa, uma construção abandonada, que me disseram tratar-se de antiga sede da Copasa( companhia estatal de água). Ali pintei uma bailarina, numa explosão de cores, celebrando esta sensação quase transcendental que a arte, em qualquer lugar, e a qualquer um, causa( ou deve causar). E, no meu precário ponto de vista, não me importa se ela seja ou não comercial, simples ou complexa, tenha ou não o respeito da instituição crítica, desde que seja autêntica. Virtude esta que, como foi dito, tenho tentado praticar a partir do que observei em pessoas com sofrimento mental.  Isso sim define seu valor! Seja causando encanto ou aversão, possa cumprir o papel de instigar as pessoas sem distinção de casta, sem promover privilégios de classes exclusivas,  estimulando-lhes sensações, percepções e reflexões. O que não for assim, é só mais uma criação do capital, este anti-artista da natureza humana... 



O BALLET DAS CORES- acrílico sobre parede
#streetart #ballet #lagoasanta 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O poder tão simples da arte

Para terminar o ano de 2017, fiz uma última pintura na rua. Foi um ano interessante, em que produzi muitas pinturas públicas em vários países, com grande ênfase ao nosso próprio, e terminá-lo assim foi muito especial! Esta pintura foi feita num muro em região periférica na cidade de Lagoa Santa, e tem como fator mais vibrante a própria simplicidade. Tanto o local, como o tema e a técnica utilizada, não possuem muita sofisticação, estando vinculados por uma atmosfera cativante e singela. O propósito foi conceber algo integrado ao suporte e seu contexto, sendo este um muro de blocos, imprimindo uma imagem cujas cores pudessem contrastar de maneira vibrante com o cinza do concreto e a estrutura sem acabamento.

Durante o trabalho, tive a companhia de algumas crianças e jovens residentes em casas nesta rua, que acompanharam com curiosidade sua feitura. É interessante o quanto algo tão simplório pode causar tal fascinação nas pessoas! Tenho observado, em minhas experiências com a street art, que ela não só muda a visão que se tem de certos espaços, como afeta profundamente o próprio estado de espírito das pessoas que ali habitam. Renovar, pela arte, alguns locais antes decrépitos, causa de fato uma transformação no elemento antropológico ali existente, já que não é possível dissociar o homem de seu habitat. Ao fim do trabalho, e atendendo o pedido de alguns desses meninos e meninas, cedi-lhes as tintas e pincéis para que eles fizessem, como quisessem, uma pintura num velho poste de madeira defronte ao muro pintado _ O que foi bem interessante porque, em posse de tais materiais, tiveram a alegria de registrar algo de si em seu próprio espaço! Ao fim, tendo eles disputado o pequeno espaço do poste, e após vários desenhos, letras, elementos gráficos e sobreposição de camadas, a pintura resultou apenas um azul chapado. Mas foi muito bom ver, no último instante do ano, a alegria nos olhos dessas crianças, empoderadas pela ação da arte!