quinta-feira, 31 de maio de 2018

Uma parede na escola

Outro dia, numa escola perto de minha casa, flagrei uma parte do muro onde, apesar do esforço de se fazer um acabamento bonito, alguma interferência posterior largou uma terrível cicatriz na parede. O projeto inicial parecia prever detalhes elaborados com azulejos coloridos, emoldurando o que aparentava ser uma janela, que foi fechada da maneira mais crua e rústica com massa sem qualquer cuidado. Isso resultou num pormenor completamente contrastante, entre algo que foi feito com carinho, e algo feito com completo desleixo. Bem... eu não cheguei a conversar com a direção da escola no sentido de especular aquilo, ou saber se mesmo trata-se de algum projeto ainda em andamento. E muito menos solicitei autorização para desenvolver ali uma pintura que, ao menos paliativamente, pudesse amainar uma certa sensação de abandono. 
Aliás, aquele pequeno detalhe remeteu-me à própria situação da educação em nosso país, com seus investimentos parcos, recursos sucateados e professores esgotados e sem reconhecimento. Aquele incômodo estético, repleto deste contexto implícito, simplesmente chamou-me à ação. E resolvi fazê-la sem qualquer comunicado com a instituição, já que, muitas vezes, o artista que se propõe trabalhar na rua não pode esperar os processos burocráticos  necessários para, simplesmente, fazer seu trabalho. Em outras palavras, acabamos mesmo assumindo esta atitude que, embora vândala, muitas vezes cumpre um papel verdadeiramente social. Tomei meus pincéis e, num feriado, deixei lá minha pintura, naquela parede de chapisco ingrato e estéril, que ao tom das cores, pareceu mesmo criar um pouco de vida...


O PODER DA LEITURA...

sábado, 26 de maio de 2018

A pintura da pracinha

Em meu bairro há um canteirinho central, daqueles em formato de ilha que dividem as pistas automotivas, e que tem como orgulhosa moradora uma pequena árvore. Era um bloco de cimento apagado em meio às linhas urbanas, e a despeito de sua solitária árvore, tinha uma certa atmosfera infértil. Ao caminhar por ali, aquela árvore parecia-me estar sempre arquejando para respirar, embora eu soubesse que suas raízes estivessem bem cravadas na terra. Elaborei então um pequeno e simplório projeto de intervenção pictórica que, de certa forma, trouxesse mais vida ao espaço, e consequentemente o tornasse mais perceptível pela própria comunidade.
Utilizei a linguagem que já tem sido recorrente em meu trabalho, que consiste na junção de figuras infantis a elementos gráficos geometrizados, o que resulta em imagens coloridas, dinâmicas e com certa aura de alegórica. Como tem acontecido recorrentemente, ao começar as pinturas nesses espaços públicos, as crianças da região surgem de todos os lados, com sua peculiar curiosidade e fascinação, além de suas astutas observações. Elas pedem, com uma certa atitude constrangida, cautelosa e sem muita convicção, para ajudar na pintura, e ao receber contentes tal autorização, iniciam o trabalho com imenso cuidado, que vai se diluindo na medida em que, compreendendo a dinâmica do ofício, tornam-se mais confiantes e até mesmo ousadas. As crianças possuem um poder de inventividade extraordinário, como já é sabido, e tudo que ás vezes precisam são recursos para manifestar isso.
Após quase um dia inteiro de trabalho, terminamos a pintura, com imensa satisfação de meus pequenos auxiliares, que deixaram orgulhosos, junto a minha, suas próprias assinaturas. Deixei que eles mesmos fotografassem o resultado com minha câmera, o que deu-lhes grande alegria e um certo ar de "importância", ao manusear um instrumento aparentemente tão sério. No fim, mesmo a pequena árvore pareceu-nos grata, oferecendo imediatamente seu pequeno caule e suas galhas para a meninada subir...