quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Laudas do tempo

Tenho produzido uma série de pinturas em casas abandonadas pelo mato, em rincões rurais, denominada "LAUDAS DO TEMPO". Consiste em retratos em grande formato de pessoas idosas, cujo aspecto um pouco desolado conecta-se inevitavelmente ao próprio local. Tais imagens, nesse contexto, remete-nos a finitude de tudo, mas sobretudo, que mesmo no fim, é possível ostentar uma beleza clássica e, sobretudo, digna. Esses locais, outrora habitados, guardam nas próprias ruínas suas histórias secretas, esquecidas, íntimas, e imprimir ali essas pinturas é uma forma de, conceitualmente, restaurar um pouco de sua alma perdida nos tempos ...







 

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Sobre a arte e suas polêmicas

Algumas pessoas próximas tem-me questionado acerca dos atuais eventos, onde várias exposições no Brasil foram fechadas, ou estão neste processo, por apresentarem conteúdo dito "inapropriado". Tenho observado, neste contexto, um conflito de opiniões sobre o que é ou não arte, qual deve ser seu papel, e até onde esta deve ou não ir. Bem... minha opinião a respeito vale muito pouco, mas vejo-me, na condição de artista, num certo dever de, a partir deste meu ponto de vista, manifestar-me a respeito. 
Vejo que a arte, enquanto uma manifestação humana, tende a refletir esta natureza, portanto ela é ilimitada. Não é algo cuja função seja enfeitar paredes, como muitas vezes se pretende, embora possa, sim, sê-lo. Dizer que a arte deve apenas personificar o que temos de virtuoso é torná-la muito parcial. Ela traduz o belo, mas também traduz nossa angústia, nossos instintos, tudo quanto tenhamos de bom ou ruim. Pode tanto refletir nossa condição humana, como também denunciá-la nas coisas que, sendo desagradáveis, ainda assim nos diz respeito. Francisco de Goya, um dos maiores artistas de todos os tempos e mestre da arte universal, fez em seu tempo uma série de gravuras sobre a guerra. Essas imagens, senão por fatores de técnica e composição, não possuem nada de belo, e pelo contrário, são aterradoras. Mostram pessoas sendo destrinchadas, enforcadas, mutiladas. No entanto, possuem o status crítico das obras clássicas. Goya não intentou, com este trabalho, incitar as pessoas a violência,  prestigiar os conflitos, nem possuía nenhum fetiche mórbido. É um registro quase fotojornalístico, mas acima de tudo, logrou denunciar e escancarar isso que, sendo triste e lamentável, também é humano.
Muitas pessoas estão furiosas com o tratamento que foi dado por exemplo, nas referidas exposições, a alguns ícones religiosos. Sentiram-se desrespeitadas e invadidas nos valores de sua fé. Bem, essa questão daria em si, e por tão variados ângulos que não só o da arte, tanta discussão,  que não me convém aprofundá-la aqui. Basta dizer que, muito pior que fatores simbólicos, cuja significância é muito subjetiva, é tudo quanto se faz em nome de Deus e Jesus (só para citar esses exemplos cristãos),  neste mundo! No entanto, ninguém sai por aí querendo fechar igreja, por julgar que a concepção que se faz de Deus em alguns templos ofende certos valores singulares de fé. Eu consigo compreender a comoção, traduzida em ofensa, que tais trabalhos inspiram nas pessoas incultas, seja por fatores teológicos, sociais, políticos ou por tratarem de corpo e sexualidade, mas ao analisá-los pela luz de um raciocínio distanciado daquilo que diz respeito apenas a MEU PADRÃO DE VALORES, e que por melhor que seja, não deve ser, de forma alguma, a conduta de outrem, vejo que tais obras incitam reflexões que, antes de revolta e repugnância, deveriam ser consideradas com muita seriedade. As pessoas se fixam na imagem, e sequer se dão a oportunidade de tentar fazer uma leitura inteligente.
Lamento dizer que a arte, muitas vezes, enfiará seu dedo polêmico na ferida de nossa futilidade, sendo ás vezes, para tanto, igualmente fútil, e isso causará incômodo, pois ninguém quer ser lembrado do quanto somos seres desprezíveis! Mas muitas vezes ela será sublime, e espero que isso também nos mostre o quanto somos lindos.


O artista confronta a censura com o próprio sangue._obra- "O QUE TRAZEMOS NAS VEIAS", acrílico sobre tela, por Wederson