terça-feira, 10 de outubro de 2017

Sobre a arte e suas polêmicas

Algumas pessoas próximas tem-me questionado acerca dos atuais eventos, onde várias exposições no Brasil foram fechadas, ou estão neste processo, por apresentarem conteúdo dito "inapropriado". Tenho observado, neste contexto, um conflito de opiniões sobre o que é ou não arte, qual deve ser seu papel, e até onde esta deve ou não ir. Bem... minha opinião a respeito vale muito pouco, mas vejo-me, na condição de artista, num certo dever de, a partir deste meu ponto de vista, manifestar-me a respeito. 
Vejo que a arte, enquanto uma manifestação humana, tende a refletir esta natureza, portanto ela é ilimitada. Não é algo cuja função seja enfeitar paredes, como muitas vezes se pretende, embora possa, sim, sê-lo. Dizer que a arte deve apenas personificar o que temos de virtuoso é torná-la muito parcial. Ela traduz o belo, mas também traduz nossa angústia, nossos instintos, tudo quanto tenhamos de bom ou ruim. Pode tanto refletir nossa condição humana, como também denunciá-la nas coisas que, sendo desagradáveis, ainda assim nos diz respeito. Francisco de Goya, um dos maiores artistas de todos os tempos e mestre da arte universal, fez em seu tempo uma série de gravuras sobre a guerra. Essas imagens, senão por fatores de técnica e composição, não possuem nada de belo, e pelo contrário, são aterradoras. Mostram pessoas sendo destrinchadas, enforcadas, mutiladas. No entanto, possuem o status crítico das obras clássicas. Goya não intentou, com este trabalho, incitar as pessoas a violência,  prestigiar os conflitos, nem possuía nenhum fetiche mórbido. É um registro quase fotojornalístico, mas acima de tudo, logrou denunciar e escancarar isso que, sendo triste e lamentável, também é humano.
Muitas pessoas estão furiosas com o tratamento que foi dado por exemplo, nas referidas exposições, a alguns ícones religiosos. Sentiram-se desrespeitadas e invadidas nos valores de sua fé. Bem, essa questão daria em si, e por tão variados ângulos que não só o da arte, tanta discussão,  que não me convém aprofundá-la aqui. Basta dizer que, muito pior que fatores simbólicos, cuja significância é muito subjetiva, é tudo quanto se faz em nome de Deus e Jesus (só para citar esses exemplos cristãos),  neste mundo! No entanto, ninguém sai por aí querendo fechar igreja, por julgar que a concepção que se faz de Deus em alguns templos ofende certos valores singulares de fé. Eu consigo compreender a comoção, traduzida em ofensa, que tais trabalhos inspiram nas pessoas incultas, seja por fatores teológicos, sociais, políticos ou por tratarem de corpo e sexualidade, mas ao analisá-los pela luz de um raciocínio distanciado daquilo que diz respeito apenas a MEU PADRÃO DE VALORES, e que por melhor que seja, não deve ser, de forma alguma, a conduta de outrem, vejo que tais obras incitam reflexões que, antes de revolta e repugnância, deveriam ser consideradas com muita seriedade. As pessoas se fixam na imagem, e sequer se dão a oportunidade de tentar fazer uma leitura inteligente.
Lamento dizer que a arte, muitas vezes, enfiará seu dedo polêmico na ferida de nossa futilidade, sendo ás vezes, para tanto, igualmente fútil, e isso causará incômodo, pois ninguém quer ser lembrado do quanto somos seres desprezíveis! Mas muitas vezes ela será sublime, e espero que isso também nos mostre o quanto somos lindos.


O artista confronta a censura com o próprio sangue._obra- "O QUE TRAZEMOS NAS VEIAS", acrílico sobre tela, por Wederson

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