domingo, 14 de janeiro de 2018

A arte é para quem?

Quando ainda estudante de artes na Universidade Estadual de MG, no ano de 2004, fiz um interessante estágio no CAPS( centro de atenção psicossocial) da cidade de Lagoa Santa, próxima a Belo Horizonte. Tal experiência marcou minha entrada no universo dos serviços de saúde mental, onde dediquei mais de dez anos como instrutor de artes e música. Certamente, influenciado por tudo quanto aprendi nesta trajetória exaustiva e gratificante, e sobretudo no que se refere à autenticidade, pude enfim decidir trilhar o caminho das artes. 
Tenho visto que tal decisão é mesmo corajosa! Desde então posso observar, não sem certo amargo conhecimento de causa, toda a manipulação mercadológica que se faz acerca da arte, num movimento que seleciona e filtra, visando certos propósitos, o que se considera arte ou não. Para tanto, são atribuídos valores e conceitos que justificam, por complexas retóricas, ao que se elege como arte, afim de que esta seja uma joia rara e preciosa acessível apenas a poucos. Uma vez que objetos de arte tenham se tornado um dos maiores e mais cobiçados investimentos financeiros do planeta, o conceito da arte fica comprometido ou turva-se diante de interesses que extrapolam seus fatores intrínsecos. A própria ação do artista, muitas vezes regida pelos ditames deste mercado, torna-se inconsistente e perde sua subjetividade. Obviamente, mesmo os artistas, em sua conduta revolucionária,  sentem-se tentados pelas boas promessas da fama. Porque, em sua maioria, estes possuem arraigada uma vaidade tão saudável quanto caprichosa. 
Bem... eu ainda não entrei neste circuito, reservado a tão poucos, e confesso que a despeito de todas as benesses, sinto-me indisposto a tal. Acredito mesmo que tal sistema não me acatará, visto eu não possuir a sofisticação conceitual que ele exige. Mas pode ser que algum dia eu volte aqui neste blog para falar acerca da fama, tendo-a alcançado, assim podendo discorrer com propriedade acerca do outro lado da moeda. E corroborando o fato de que muitos artistas deixam-se seduzir! Mas sigo, no momento, fazendo aquilo que, penso ser arte, pretensão bem questionável na concepção da crítica atual, e o faço com o maior despojamento. Por isso tenho dedicado parte do meu tempo, e um grande  esforço e investimento financeiro pessoal em trabalhos públicos, afim de levar tais concepções às pessoas ditas comuns. Penso assim estar, de certa forma, cumprindo algum papel relevante no que se refere a um impacto social, o que tem sido confirmado a partir do retorno das próprias pessoas. Isso traz uma imensa satisfação, e mesmo que não supra minhas necessidades de ordem de auto-manutenção, faz com que minha vida, e tudo quanto tenha eu tenha aprendido, tenha algum propósito vital.
Após treze anos, resolvi fazer alguma obra pública em Lagoa Santa, onde acabei criando fortes vínculos. Encontrei, na beira da mítica lagoa, uma construção abandonada, que me disseram tratar-se de antiga sede da Copasa( companhia estatal de água). Ali pintei uma bailarina, numa explosão de cores, celebrando esta sensação quase transcendental que a arte, em qualquer lugar, e a qualquer um, causa( ou deve causar). E, no meu precário ponto de vista, não me importa se ela seja ou não comercial, simples ou complexa, tenha ou não o respeito da instituição crítica, desde que seja autêntica. Virtude esta que, como foi dito, tenho tentado praticar a partir do que observei em pessoas com sofrimento mental.  Isso sim define seu valor! Seja causando encanto ou aversão, possa cumprir o papel de instigar as pessoas sem distinção de casta, sem promover privilégios de classes exclusivas,  estimulando-lhes sensações, percepções e reflexões. O que não for assim, é só mais uma criação do capital, este anti-artista da natureza humana... 



O BALLET DAS CORES- acrílico sobre parede
#streetart #ballet #lagoasanta 

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